Poesia Antropofágica





O assunto surgiu enquanto tomavam o terceiro ou quarto copo de whisky.

Debruçados na mureta do prédio observando as ondas batendo no pier, falavam antes dos orixás e seus elementos.

Do candomblé à umbanda, da umbanda aos caboclos, dos caboclos às tribos que praticavam a antropofagia.

Então descobriram-se crentes da mesma teoria sobre tal assunto.

Ambos olhavam com olhos admirados os anais antropofágicos.

Admirados pela beleza, pela poesia envolvente deste tema, posto quase sempre como algo bárbaro.

Imaginaram os rituais.
O índio guerreiro da tribo inimiga era capturado.
Então passava dias e dias sendo tratado como um rei e não como um prisioneiro após sua captura.
Nesses dias ele tinha à sua disposição as melhores comidas, as índias mais belas...
Era o período de engorda* do prisioneiro que em breve seria devorado.
Seus pedaços seriam compartilhados de maneira hierárquica entre os índios da tribo.
Antes de sua execução, porém, o prisioneiro deveria mostrar-se corajoso e forte perante os demais.
Os índios que tinham medo de morrer, que demonstravam covardia, eram descartados e enviados de volta à sua tribo como uma humilhação, uma zombaria...
Aqueles outros que se mostravam bravios, no entanto, viam a morte com prazer.
Acreditavam perpetuar-se dentro de cada índio que a eles devorassem.

Acenderam um cigarro.
Ficaram mudos por alguns instantes.
Não havia barbaridade nesse tipo de antropofagia, pelo contrário...
Era poético, até.
Voltaram ao salão para mais um copo de whisky, deixando o cheiro da maresia para trás.
A noite era bonita.
O mar com suas ondas fazia um barulho gostoso de se ouvir.
Duas pessoas.
Dois seres com almas gritantes pedindo para serem um dia devoradas...



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