Saudades




E a saudade me acordou bem cedo num domingo chuvoso em Aracaju. Saudade de Minas, do clima, dos sabores, da filha, dos amigos, da família, de tudo que eu havia deixado numa noite de um dezembro cheio de planos e sonhos.

Era saudade demais naquele dia! Enchia a mente de lembranças boas e descompassava as batidas do coração. Sem dor, porém. A saudade naquele dia apenas me dizia que existiam pessoas e coisas em algum lugar que me continuavam. E então, logo depois de ouvir o canto dos bem-te-vis que faziam seus desjejuns diariamente em nosso quintal, resolvi celebrar a minha saudade.

Tomei um banho demorado e fiz pão de queijo e biscoito de farinha pro café da manhã. Acordei minha mulher com as quitandas na cama. Ganhei beijos e sorrisos em troca. Coloquei Hulk no carro e fomos ao supermercado comprar as coisas para o almoço. Passamos em uma locadora, alugamos alguns filmes. Corri atrás de Hulk debaixo da chuva depois que ele pulou a janela do carro antes de entrarmos na garagem. Me molhei todo, me sujei todo. Tomei outro banho.

Fiz arroz, feijão, galinha cozida com quiabo e angu. Liguei para meus pais, meus irmãos, minha filha e alguns amigos. Li as notícias do Cruzeiro. Tomei uma dose de cachaça antes que o  almoço ficasse pronto. Depois tomei outra. E outra. E só mais uma...

Dormi assistindo “Cinema, Aspirina, Urubus”. Acordei com minha mulher pedindo pra beber menos, roncar mais baixo, ou pra parar de roncar. Não me lembro direito. Fui para a varanda, deitei na rede ouvindo Renato Teixeira, acariciando os pelos de Hulk, que parecia entender minha saudade.

A chuva passou e antes do crepúsculo, passeamos na praia com Hulk. Olhava o mar e contava em silêncio, histórias de uma terra que ele não conhecia. Era a saudade mais uma vez. E mais uma vez, coração descompassado, desejei ouvir vozes e notícias de minha Minas Gerais.

À noite, o ar condicionado ligado no quarto me trouxe o frio gostoso do inverno montanhês. E eu encerrei aquele domingo fechando os olhos e guardando aquela saudade cá dentro, fechando e trancando no peito, de onde ela não sairia nem com o último suspiro...

Então alguns anos se passaram e hoje é domingo. Não chove. Faz um calor que me lembra o calor aracajuano. Estou de volta à minha terra, perto da minha filha, dos meus amigos, da família.
Acordei com uma saudade daquele domingo!

Da mulher, que não é minha.
De Hulk.
Do mar.

Levantei com preguiça.
Tomei um banho demorado.
E comi macaxeira com manteiga no café da manhã...
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