A menina mais bonita da cidade





Penso em você.
Dançando sozinha em casa, pulando por sobre a cama, balançando os cabelos loiros...
Penso em você sorrindo com as minhas piadas, com raiva das minhas histórias, brigando comigo porque eu não dormi o bastante antes de viajar.
Penso em você enquanto penso em você...
Te vejo menina brincando de boneca.
Te anseio mais tarde.
Te faço um afago, uma briga, te ofereço um pão-de-ló.
Te faço doce...
Penso em você assim, do jeito que você não se inventa!
Tão mais linda quanto é demais.
Borboleta saindo do casulo pra brincar de liberdade:
A menina mais bonita da cidade...

Saudades




E a saudade me acordou bem cedo num domingo chuvoso em Aracaju. Saudade de Minas, do clima, dos sabores, da filha, dos amigos, da família, de tudo que eu havia deixado numa noite de um dezembro cheio de planos e sonhos.

Era saudade demais naquele dia! Enchia a mente de lembranças boas e descompassava as batidas do coração. Sem dor, porém. A saudade naquele dia apenas me dizia que existiam pessoas e coisas em algum lugar que me continuavam. E então, logo depois de ouvir o canto dos bem-te-vis que faziam seus desjejuns diariamente em nosso quintal, resolvi celebrar a minha saudade.

Tomei um banho demorado e fiz pão de queijo e biscoito de farinha pro café da manhã. Acordei minha mulher com as quitandas na cama. Ganhei beijos e sorrisos em troca. Coloquei Hulk no carro e fomos ao supermercado comprar as coisas para o almoço. Passamos em uma locadora, alugamos alguns filmes. Corri atrás de Hulk debaixo da chuva depois que ele pulou a janela do carro antes de entrarmos na garagem. Me molhei todo, me sujei todo. Tomei outro banho.

Fiz arroz, feijão, galinha cozida com quiabo e angu. Liguei para meus pais, meus irmãos, minha filha e alguns amigos. Li as notícias do Cruzeiro. Tomei uma dose de cachaça antes que o  almoço ficasse pronto. Depois tomei outra. E outra. E só mais uma...

Dormi assistindo “Cinema, Aspirina, Urubus”. Acordei com minha mulher pedindo pra beber menos, roncar mais baixo, ou pra parar de roncar. Não me lembro direito. Fui para a varanda, deitei na rede ouvindo Renato Teixeira, acariciando os pelos de Hulk, que parecia entender minha saudade.

A chuva passou e antes do crepúsculo, passeamos na praia com Hulk. Olhava o mar e contava em silêncio, histórias de uma terra que ele não conhecia. Era a saudade mais uma vez. E mais uma vez, coração descompassado, desejei ouvir vozes e notícias de minha Minas Gerais.

À noite, o ar condicionado ligado no quarto me trouxe o frio gostoso do inverno montanhês. E eu encerrei aquele domingo fechando os olhos e guardando aquela saudade cá dentro, fechando e trancando no peito, de onde ela não sairia nem com o último suspiro...

Então alguns anos se passaram e hoje é domingo. Não chove. Faz um calor que me lembra o calor aracajuano. Estou de volta à minha terra, perto da minha filha, dos meus amigos, da família.
Acordei com uma saudade daquele domingo!

Da mulher, que não é minha.
De Hulk.
Do mar.

Levantei com preguiça.
Tomei um banho demorado.
E comi macaxeira com manteiga no café da manhã...

poema pronto




E de vírgula em vírgula faz-se o ponto

e do ponto

o pronto
o pranto
o desaponto


o nó
o pó



de giz...

Vicente e Isabella



O padre falou e disse: “Vicente, se considere um cara de sorte!”.
Vicente não é meu amigo... não!
Eu sempre quis ter um irmão mais velho, daqueles que compram nossa briga, não importa se estamos certos ou não. Depois ele lava nossa cara... 
E EU TENHO!
Vicente é meu irmão. 
Se você não o conhece, azar o seu. Porque em mais de trinta anos, nunca conheci sequer uma pessoa que falasse mal desse cara. Não tem como...
Ontem Vicente se casou. 
Com a Isabella.
E a Isabella!
É a menina pro Vicente! A Isabella é uma daquelas espécies em extinção que não usam máscaras. A Isabella é a Isabella, quer você queira ou não. E – sorte minha também – ela gostou de mim!
Tive o privilégio de acompanhar este romance desde o início. Tive o privilégio de estar com este casal em muitos momentos. Tive o privilégio de passear com o Mixirica!!!!
Tive o privilégio de ser padrinho neste casório!
E quem teve o privilégio de participar do casório, viu que a Lua estava linda lá em cima, enquanto os dois diziam SIM!
Enquanto o padre dizia: “Vicente, se considere um cara de sorte!”.

Baiana




Ladeira do pelourinho
Procurando meu amor
Encontrei um passarinho
Que cantando me falou

Que a baiana desceu lá pra barra
Ouvindo o som do berimbau
Com o sorriso estampado na cara
Ta chegando o carnaval

Oh baiana!
Baiana no mar, meu amor!
Oh baiana!
Estrela do mar...

Ondas de Yemanjá
Oxalá meu pai que desenhou
Pra baiana se encantar
Sorriso, reza, incenso e flor

Curumim cresceu catando manga 
Lá no fundo do quintal
Pra baiana eu fiz esse meu samba
Pra cantar no carnaval

Oh baiana!
Baiana do mar, meu amor!
Oh baiana!
Estrela no mar...

Rubão

Em fevereiro eu conheci o Rubão. Num hotel em Campinas. Fui pegar uma água numa madrugada e conversamos ali e falei que era escritor e que estava viajando pelo Brasil e ele me deu uns flyer´s de uma escola dele. Escola de paraquedismo.
Quando vi aquilo, pirei! Porra! Quero saltar! E Rubão me levou pra saltar. E Rubão me apresentou uma galera show de bola. E fiquei amigaço do Varley, que me buscou no hotel em Campinas e me levou pra Piracicaba pra saltar: contando piadas de Campinas a Piracicaba. De Piracicaba a Campinas. Rubão e esposa. Varley e esposa. E eu. No carro. Com esses amigos que fiz. Do nada. Duma água que quis beber de madrugada num hotel.
Falei que levaria esses amigos pelo resto da vida.
E fizemos planos! Vamos levar o paraquedismo de volta pra Pará de Minas, caralho! Dá, dá pra levar!
E segui viagem. E despedi do Rubão e do Varley. Com a certeza de que faríamos uma algazarra nos céus de Pará de Minas outrora.
Certezas!
Existem?
Pois que Rubão morreu num salto. O meu amigo morreu num salto. Dois meses depois de me levantar do chão junto com Varley, de uma queda de 4.500 pés. Eu vibrando o salto. Varley vibrando, Rubão vibrando...
“Vai de bunda mesmo!” gritava Varley...
E Rubão me deu as mãos, me levantou... e me perguntou:
“Tá feliz?”
Nunca respondi. Não pude responder. Rubão morreu antes que eu dissesse:
“Foi a melhor coisa de roupa que eu fiz na vida!”

Vovô




E dezoito anos se passaram desde que o vovô se foi. Partiu num março feio e triste de 1995 e nos deixou com uma saudade que nunca se esvaiu, pelo contrário, completou sua maioridade. Lembro de um Natal distante em meados da década de 80, quando vovô surgiu lá na Varginha* vestido de Papai Noel e nós (os netos mais novos, pequenas crianças),  gritávamos em uníssono:
“Nossa, o vovô é o Papai Noel!”

Pobres de nós! Mal sabíamos que não, vovô não era o Papai Noel. Vovô não era o bom velhinho. Nos treze anos em que pude desfrutar da sua companhia, vovô fez-se mais que um bom velhinho em minha vida. Vou explicar:

Nunca vi vovô brigar. Nunca vi vovô gritar ou se alterar. Vovô era a tranquilidade e serenidade em pessoa. No máximo das vezes, ele fazia gestos engraçados colocando a língua pra fora atrás de vovó enquanto ela (explodindo de vida que era), o xingava por alguma trapalhada sua.
Sim, vovô era trapalhão! Nós netos, sabíamos muito bem que era proibido pedir ao vovô que trocasse as lâmpadas subindo numa escada ou que subisse no telhado para pegar a peteca que havia caído ali. Seria tombo na certa! Vovô se atrapalhava tanto que certa vez conseguiu (pasme!) prender a orelha na porta do seu quarto. Uma vez enquanto pescávamos, pude testemunhar vovô pisando em sua mão para subir num barranco...

Ah! As pescarias com o vovô...
Foram tantas, mas sinto hoje que foram tão poucas! Vovô nos ensinou a pescar traíras, a iscar o anzol, a escamar os peixes, limpar, colocá-los num galho de árvore que nos ensinou a arrancar, propício pra tal. Vovô nos ensinou muitas coisas em nossas pescarias, vovô nos ensinou sua essência: a Paciência.
Quando eu ficava atordoado vendo meus primos pescarem e eu sem pescar nenhum peixe, querendo trocar de lugar, vovô dizia:
“Calma! Paciência! Fica aí... fica quietinho aí que ela vem!” e ela sempre vinha!

Vez ou outra vovô aparecia lá em casa e se aquietava no sofá. Dizia para minha mãe:
“A Lourdes inventou de arrumar a casa hoje e falou pra eu sair...”
E passava o dia ali, dormindo tranquilo e despreocupado com a vida.

Em dias de domingo, vovô deitava em seu sofá para sestear e um bando de netos se amontoava ao redor dele e ficávamos brigando para saber quem iria pentear seus cabelos. E vovô dizia com mansidão:
“Calma... Um de cada vez...” e éramos muitos!
Então cada um tinha o seu momento, penteando os cabelos do vovô. E ele ia fechando os olhos de mansinho, numa calma e sossego que eram só seus, como fazia seu passo-preto quando vovô com os dedos, acariciava sua cabeça.
Quando acordava, nos levava ao mercado do Antônio Espíndola a fim de comprar pão pro café da tarde. Voltávamos com chocolates, pirulitos, balas, chicletes, sorvetes...

Sempre que ia pra Varginha* vovô enchia seu Corcel cinza de netos. Bem cedinho, antes do sol nascer, nos levava ao curral (nós com os copos de alumínio abarrotados de chocolate em pó) e enchia um a um de leite fresco, tirado na hora das tetas das vacas. O cheiro do curral, da despedida da dama da noite, do orvalho na grama... era cheiro de felicidade!
Depois saíamos para brincar e vovô pegava seu cortador de gramas e só parava para separar uma ou outra briga que ocasionalmente acontecia.
Mais tarde saía conosco lá pro alto do pasto, onde ficávamos empinando papagaios até a hora do almoço. Depois descíamos para pescar e quando voltávamos, depois do jantar, ficávamos altas horas jogando o que ele mais gostava nos jogos de carta e nos ensinou com maestria: Buraco...

E nossa infância foi passando assim, com o vovô...

De repente vovô se preparou pra partir numa doença dolorosa. Vovô não se foi assim, bruscamente.  Ele decidiu partir devagar, tomou o sofrimento pra si, para que não sofrêssemos tanto, para que pudéssemos de alguma forma, nos preparar e nos despedir.  Eu conheço o vovô. Ele preferia sofrer ao ver os outros sofrerem.
E assim ele fez... até que foi-se, num março feio e triste de 1995.

Volto a lembrar daquele Natal, quando vovô chegou vestido de Papai Noel. Se alguém chegasse e me perguntasse ali:
“O que significa vovô para você?”
 Eu responderia, imbuído de toda sinceridade e sabedoria inocente que a vida ainda não havia me arrancado:
“Vovô é o masculino de Paz...”



...



Hoje, vinte e tantos anos depois daquele Natal, relendo este texto e destituído daquela sabedoria inocente, mas com toda sinceridade de alma e lágrimas saudosas no rosto:

“Vô, você faz falta pra caralho!”




* Fazenda Mourão - São José da Varginha - MG




A cidade que eu não conheço





A cidade que eu não conheço me assusta. Há algo de noturno, de sombrio nas suas esquinas. Eu não sei o que há além daquele prédio. Quanto maior ela me parece, maior o medo. Suas ruas parecem sussurrar palavras de xingamento e zombaria:

Que fazes aqui, atrevido forasteiro?
Que queres de mim e de meus filhos?
Queres ficar? Pois me conquiste...


Tudo parece estranho demais. Tudo parece inóspito demais. As pessoas não te enxergam, não te conhecem, não te esperam. Aí você se sente só. E só, entra no quarto do hotel e se tranca. Olha pela janela e a cidade lá fora é um bicho faminto que quer te devorar.

Paradoxo mais lindo esse: a cidade irá te devorar, se você se trancar!

Então você sai pelas ruas, alamedas, avenidas, ladeiras. Conhece o senhor do cachorro-quente, discute futebol com o taxista, toma uma cerveja com a moça da loja de perfume, lê um livro na praça da cidade – cidade que você passa a conhecer. 
E a gostar.
E o medo se esvai.
E o bicho faminto faz-se em ninho.
E o quarto do hotel já não é mais teu abrigo.
É tua cela.
E quando você parte, a cidade que agora você conhece te presenteia.
Agora você tem mais uma saudade para sentir...


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E se?


E se lá na nossa primeira infância nos ensinassem que sonhos são realmente possíveis e que não importa o tamanho deles, mas o tamanho da nossa vontade? E se nos ensinassem que obstáculos na verdade não existem, que o que existe na verdade são situações que ocorrem para aprendermos a fazer diferente? E se nos explicassem que o tamanho da perda será exatamente do tamanho do apego?

E se nos dissessem que inferno na verdade não é um lugar, mas uma situação criada por nossas consciências? E se nos dissessem que o bicho papão nunca morou embaixo das nossas camas? Se nos ensinassem que meninos e meninas se amam como meninos e meninos e meninas e meninas? Se nos falassem mais de amor do que de dinheiro? Se nos ensinassem a brincar de ler?

E se nos mostrassem o mundo sem explicações e definições? Se nos deixassem aprender sem imposições? E se nos dissessem que a liberdade é uma dádiva que a gente recebe de graça e mantém a alto valor? E se nos ensinassem que lealdade são serezinhos de quatro patas que nos lambem e abanam o rabo quando estão contentes? E se nos dissessem que trabalho significa trabalho e que isso não é bom?

E se nos ensinassem que uma das leis primordiais de todas as culturas e sociedades era a de que, para nos mantermos financeiramente, deveríamos fazer algo que a gente realmente gosta? E se nos ensinassem que a tristeza e felicidade sempre são passageiras e que somos os únicos culpados por esses sentimentos?

Se nos dissessem, se nos mostrassem, se nos explicassem, se nos ensinassem...

A gente aprenderia?


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Nuvens Ladras






Ensaio um verso nesse crepúsculo. 
O sol se põe e nada sai.


Nada sei (não sinto nada).

Não tem amor pra declarar hora dessas.
Não tem moça dos olhos, dos medos, do querer...

Nenhum querer!


Nem as estrelas deixam-se avistar – nuvens ladras! 
Devolvam-me minhas inspirações! 








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